A relação entre sujeito e objeto continua sendo o mais fundamental no pensar e no fazer. O processo relacional, tantas vezes conflitante, provoca situações que dependem de contextos, de épocas propriamente ditas. Uma figura, que não pretende se apoiar em nenhuma retórica, é o suficiente para espelhar essa funcionalidade do gesto humano: de necessidades, de desejos, de atividades incomuns e estranhas que, por isso mesmo, são reconhecidas como poéticas.
Evidencia-se, nesses termos, a eficácia que civilizações alcançaram com a feitura gradual de objetos pessoais, comunitários, de ações sobre o mundo, mudando-o em nome de práticas efetivas, sem esquecer que ao homem pertence a metafísica ou a capacidade de penetrar na realidade mesma, invisível. Seus objetos, portanto, são testemunhos do imaginário, do sentimento que se amolda às coisas com reflexão estética.
A figura a que me refiro, e que tem versões ao longo dos desenvolvimentos, é a da maturação que se atinge com a matéria: madeira, pedra, argila e metal, entre outras. Enquanto o homem polia objetos e instrumentos, foiexperimentando o sabor de polir a mente, assim o saber externar a imaginação. Por outras palavras, a forma de um machado, por exemplo, atingiu uma eficiência tal que passou a ser vista, apreciada, como algo que ultrapassou a própria função, atingindo a beleza – a expressão estética. E isso tudo estava, e ainda está, na organicidade do mundo. Na corrente certeira da água, na curvatura flexível da montanha, na ordem desdobrada do cristal, no atrito de energias que estão nas coisas, sobretudo entre as coisas.
Ao transportar este senso de humanidade feito com arte para a nossa época, não posso deixar de mencionar Brancusi. Um romeno que foi capaz, na contemporaneidade da escultura, de conceber o anímico como signo, pois a arte pode ser tudo quando é essa presença vital. É por isso que Brancusi pensava no que é chamado de caráter inevitável da matéria, que em seu caso é ovóide, daí a economia de linguagem. Com pouco, Brancusi dizia muito ou quase tudo. A forma natural de Brancusi, cosmogônica, é temporalidade polida pelo fogo e pela água com mãos conduzidas por cérebro depurado.
A escultura é obra de arte quando ativa o caráter inevitável da matéria, de qualquer matéria. No caso da matéria escultórica transformada por meios industriais, prefiro adotar o termo objeto escultórico, o que significa dizer que o artista forjou uma poética que, aliás, é a comunhão de suas poéticas, síntese de saber matérias que trabalhou por força de imaginar.
Com estes pressupostos, paradigmas possíveis, penso nas idades metálicas de Guido Heuer, agora uma única idade no objeto elevado que se apropria de uma cidade, enquanto a cidade se apropria do mesmo. Apesar de tudo ser tão recente, por inclinação ficcional concluo que esta forma ao mesmo tempo singela e enigmática sempre esteve nessa cidade, que faz parte de um lugar que foi intocado e que uma vez tocado produziu cultura que Guido Heuer abrigou em imagem composta com ato expressivo mínimo, porém irradiador, como se o poético fosse a infância de um talo, de um caule que se eleva e se curva pela gravidade do viver e o homem que imagina a ele dá sentido.
Uma cidade, desta maneira, tem seu passado e seu futuro que no momento podem ser incompreendidos na monumentalidade da obra de Guido Heuer. O que se solicita às pessoas é que contemplem um talo de capim como faziam os aquarelistas orientais e Vincent van Gogh. É claro que a vertigem da era eletrônica reduz o espaço do devaneio, mas isso não quer dizer que se deva deixar de sonhar as coisas nascentes, transparentes do primeiro olhar.
Com ou sem contemplação, a obra de Guido Heuer está ali como confluência de épocas, de mundos paralelos, construção da memória. Por isso, talvez, o objeto máximo de sua arte não tenha nome, o que sugere a possibilidade de muitosnomes. Um deles, quero ter o privilégio de registrar, é conjunção. Saliento, nesse aspecto, que a imagem surge, mas, sobremaneira, a imagem é feita. Surge e se faz com a vigilância crítica do artista, cuja inventividade é a liberdade de escolher o que deve fazer e deixar de fazer. Com muita observação e estudo como se constata no signo proposto por Guido Heuer, que traçou a linha para o alto e anelou, em sua extremidade, a permanência do gesto efusivo da arte em um mundo em que nada permanece.