Os sinais da gravidade são visíveis na leveza essa a façanha do aço que flutua ou da raiz que esvoaça; esse é o fascínio de uma forma que reúne em si o círculo e a farpa (ou seria o caule e a sua flora?). Fincada na margem esquerda do rio Itajaí-Açu, em Blumenau (Santa Catarina, Brasil), a escultura magnética de Guido Heuer insinua novos rumos e aponta para o norte, que é o destino comum a todas as bússolas. 13 de altura e 15 toneladas compõem esta peça de puro aço (“Cortem") que estima-se, resiste a mais de quinhentos anos de história brasileira: esse o seu espaço na eternidade a contar de sua inauguração em 18 de dezembro de 1999, defronte à ponte do Tamarindo.
O círculo e o caule, conjugados são sinônimos de concepção. Para C. G. Jung, o círculo simboliza a perfeição, evoca o culto ao sol e tem o seu equivalente na mandala. O caule, no senso comum, alude ao fato e é também um signo de criação. Emblema solar, portanto, a obra de Guido germina masculina no imenso útero que é o vale. E procria: são inúmeros os relatos de artistas e de passantes que visualizam nesta peças indícios de nova vida na paisagem da cidade. Como se fosse tocada pelo vento, curva-se e é quase a imagem de um espécime de flora, ainda que seja um fruto de engenharia e de cálculo.
Concebida como um obelisco em tons alaranjado e ferruginoso (cores que são da cor da fluidez do tempo), a obra nasceu entre o engenho do artista Guido Heuer e a arte metalúrgica do engenheiro Edvaldo Ângelo, autor da matemática precisa de sua sustentação. Tendo calculado a força do vento no corpo da estrutura e recolocado o centro de gravidade em sua base, o engenheiro assina com o artista esta arquitetura insólita que, vista de certos ângulos, parece levitar, tal a leveza que sua forma sinuosa incorpora.
Curvas que são interrogativas se vistas em movimento, da rodovia ou da ponte, ou por trás dos prédios, na penumbra do poente: surpreendentes.
Herdeira direta das linhas simples e claras do modernismo, a escultura ainda anônima de Heuer desafia o imaginário da cidade e recoloca questões sobre arte contemporânea. Não raro desconcerta e é fonte de polêmica, uma vez que muitos vêem sentido apenas no que é figurativo, no que é simulacro ou aparência de realidade. A escultura de Guido não tem discurso e, por isso, não impõe ou delimita uma única leitura. Mais pergunta do que resposta, sua obra é ideia em estado de matéria metamórfica: as ações do tempo (chuva, sol e sereno) inscrevem no seu corpo, dia a dia, desenhos novos, rasuras na ferrugem que são testemunhos do escoar das estações.
– Texto por Dennis Radünz
Obra de Arte
O texto que segue é uma versão melhorada de uma crônica que escrevi há alguns anos. Diz respeito àquela tal ESCULTURA que o artista plástico Guido Heuer produziu e instalou na cabeceira da Ponte do Tamarindo, nas proximidades da rodoviária. Proponho uma “leitura" pessoal da obra, sempre lembrando que, múltipla, a arte oferece possibilidades ilimitadas de interpretação.
O círculo, como se sabe, é um símbolo que nos remete à ideia de perfeição e infinito, características que por sua vez invocam o divino e, portanto, o paradisíaco. Por esse viés, a roda laranja da ESCULTURA poderia significar os valores mais simétricos e tradicionais de Blumenau: a aventura da colonização, a prosperidade, o amor às raízes e ao passado, a solidão autossuficiente de uma etnia empreendedora, as ruas “limpas" de mendigos e pedintes.
Aos poucos, entretanto, esse paraíso de 163 anos é conspurcado e penetrado, ou, num sentido mais positivo, “fecundado" pela farpa recurva e ferruginosa, pelo ferrão dos nossos dias, pelo gume que aponta um futuro incerto e ao mesmo tempo esperançoso. O espinho que perfura (mas também embeleza) a perfeição do círculo funciona como metáfora das novas marcas e contribuições que se espalham na cidade: as recentes ondas migratórias, os sonhos e delírios futuristas, a multiplicidade de etnias e linguagens, os problemas sociais já visíveis no centro e nas ruas congestionadas.
Interessante é que as peças da obra formam um conjunto harmônico e sutil, não destoam nem se excluem, representam a conjugação de forças na construção de verdades possíveis para uma cidade e um mundo doentes de globalização. É por isso que não deve ser ignorada a simbologia sexual que permite a coexistência do redondo e do recurvo, do férreo e do laranja, do fálico e do frutífero.
Existe ali um elemento abrupto, porém, uma “ponta aguda", a farpa, o espinho, o esporão, lembrete de que ainda há muito a ser feito pela convivência dessas duas (três, cinco, dez) energias que antes de opostas, são e se afirmam diferentes.
Uma obra-prima, nem mais nem menos.
– Texto por Maicon Tenfen, Jornal de Santa Catarina 2 de maio de 2013